segunda-feira, 27 de junho de 2011

Corpus Christi e os santos: saiba mais sobre essa relação

A Solenidade de Corpus Christi, Corpo de Cristo, que manifesta a fé da Igreja na presença real de Jesus na Eucaristia, foi instituída pelo Papa Urbano IV em 11 de agosto de 1264, através da Bula Transiturus de hoc mundo.

Há dois santos que possuem especiais vínculos com essa Solenidade: o dominicano São Tomás de Aquino e a monja agostiniana Santa Juliana de Cornillon. A seu modo, cada um desempenhou papel fundamental no processo de instituição desse ato litúrgico de profunda fé com relação à Eucaristia, "o mais precioso tesouro da Igreja e da humanidade", como define o Papa Bento XVI.

São Tomás foi incumbido pelo Papa Urbano IV da missão de compor os textos do ofício litúrgico dessa grande festa. Já Santa Juliana foi quem teve as visões místicas que, mais tarde, dariam origem à celebração.

Nesta reportagem especial, confira entrevistas com membros das mesmas famílias religiosas a que pertenceram esses dois santos e saiba mais sobre seus ensinamentos.

Santa Juliana de Cornillon
A freira contribuiu para a instituição dessa solenidade litúrgica que é a "mais importante do ano", conforme indicou o Pontífice na Catequese dedicada a Santa Juliana em 17 de novembro de 2010.

Também conhecida como Juliana de Liège, nasceu entre 1191 e 1192 . Órfã aos cinco anos, foi confiada aos cuidados das monjas agostinianas do convento-leprosário de Mont-Cornillon. "Aos 16 anos teve a primeira visão, que após repetiu-se mais vezes nas suas adorações eucarísticas. A visão apresentava a lua no seu pleno esplendor, com uma faixa escura que a atravessava diametralmente. O Senhor a fez compreender o significado disso que lhe havia aparecido. A lua simbolizava a vida da Igreja sobre a terra, a linha opaca representava, por sua vez, a ausência de uma festa litúrgica, para a instituição da qual era pedido a Juliana que trabalhasse de modo eficaz: uma festa, isto é, na qual os fiéis pudessem adorar a Eucaristia para aumentar a fé, avançar na prática das virtudes e reparar as ofensas ao Santíssimo Sacramento", explicou Bento XVI na ocasião.

O frei agostiniano Felipe da Cruz lembra que a Solenidade busca ser um aumento da fé, avanço na prática das virtudes e meio de reparação às ofensas ao Santíssimo Sacramento.

As visões de Juliana permaneceram em segredo por mais de 20 anos, até que a santa compartilhou-as com outras duas religiosas e buscou auxílio junto a um padre, ao qual pediu que consultasse teólogos e eclesiásticos sobre o que elas traziam em seus corações. Dessa forma, Santa Juliana apresenta-se como exemplo do desejo de permanecer vinculada fielmente ao que ensina o Magistério.

"Ela tinha o desejo de permanecer fiel à fé da Igreja, que o Magistério defende. Essa fé, por sua vez, é medida pelo Evangelho. Por isso, é saudável que meçamos as nossas inspirações e vida de fé de acordo com a fé da Igreja e no Evangelho. É bom que cristão se pergunte: 'Isso que sinto, o que tem a ver com a fé da Igreja, com o Evangelho?'. Se a inspiração vier de Deus, jamais irá contra esses dois elementos", explica frei Felipe.

No decorrer de sua busca por concretizar a inspiração que tinha em suas visões, Santa Juliana teve que passar por duas provas e incompreensões por membros da própria Igreja. Nessa perspectiva, Santa Juliana recorda que o cristão deve viver a realidade da provação como trampolim para a vida de fé, e não causa de queda.

"Os cristãos precisam livrar-se da tentação muito comum de imaginar que Deus se alegra com nossas provações, como se isso desse a Deus algum certo prazer, ou se ele estivesse cobrando provas de nossa fé e amor. Ele nos ama gratuitamente. Provações e sofrimento acompanham condição humana e nossa convivência social. Isso exige que demonstremos o que supera aquilo que é simplesmente humano – temos oportunidade ímpar de testemunhar aquilo que cremos. Isso não significa que devemos ser passivos diante das situações: pelo contrário, é escolha de viver o que é condizente com nossa fé".

Para a família agostiniana, ter uma filha tão ilustra é sinal de responsabilidade. "Os santos de nossa ordem são grande convite para reconhecer a bondade de Deus em nossa história. Também convidam a reconhecer a imensa misericórdia de Nosso Senhor e nos enchem de responsabilidade, a de aumentar o número de pessoas dispostas a doar a vida pelo Reino e a ter o coração sempre aberto e pronto à ação de Deus, do Espírito".

São Tomás de Aquino

O frei dominicano e doutor em Teologia Moral, Carlos Josaphat Pinto de Oliveira, relata que São Tomás compôs os textos da Missa da Solenidade e da Liturgia das Horas (comumente recitados pelos religiosos), ressaltando-se os hinos Lauda Sion e Adoro Te Devote.

"De forma extraordinária, como grande teólogo e grande poeta, São Tomás escolheu muito bem os textos da Sagrada Escritura que falam sobre a Eucaristia, tanto no Novo quanto no Antigo Testamento, onde esse Sacramento aparece em prefigurações. É fonte de grande riqueza de informação por situar a Eucaristia no plano de Deus e a beleza dos textos ajuda na devoção, pois reúnem simplicidade, cultura, teologia e poesia. Convém muito meditar esses textos", explica.

O santo dominicano compila três pontos básicos em seus escritos para a Solenidade: a lembrança da Paixão do Senhor; a graça santificante que brota do Sacramento e o impulso a fazer olhar para a glória eterna e encher o fiel de esperança.

Nesse sentido, as intuições de São Tomás expressas nesse Ofício podem servir de auxílio para os fiéis do século XXI retomarem a vivência e a contemplação eucarística. "O lema de São Tomás – bem como de todos os dominicanos – é contemplar e levar os outros à contemplação. Ele realizou isso de modo muito particular nesse Ofício. Há um fraseado muito bonito enquanto doutrina e expressão poética. Somos convidados, com toda a nossa imaginação, sensibilidade, inteligência e coração, a meditar sobre o amor extraordinário de Deus que nos dá a Eucaristia. Auxiliam na atitude de oração mais perfeita: como que fechar os olhos do corpo e abrir os olhos e faculdades da alma para unir-se a Deus com toda intensidade e com todo o amor", afirma frei Josaphat.

Repletos de súplicas, os textos de São Tomás tornam-se convite a lembrar que Deus é sempre o protagonista, ainda que a participação humana seja crucial. Dessa forma, ajudam a redescobrir que celebrar Corpus Christi também é tirar do centro tanto os feitos humanos, abrindo espaço à realidade de que Deus é quem tudo faz.

"Uma especialidade de São Tomás é ressaltar que Deus, nos ajudando, não diminui a nossa liberdade. Ele como que anima a nossa liberdade por dentro, de modo que quanto mais Deus age em mim, mais sou livre. Nós perdemos a liberdade quando não temos a capacidade de fazer o bem, o que ocorre por estarmos afastados de Deus. É a doutrina da natureza e da graça, da liberdade e da ação divina em nós – as quais São Tomás vê sempre em harmonia. Ao dizermos 'Somos criaturas de Deus', estamos dizendo que Deus nos valoriza. É expressão que me valoriza, pois Ele é meu pai, me dá Sua graça, me encaminha. Está muito presente em mim pelo seu amor, que valoriza a minha liberdade. Dizer a Ele 'Ajudai-me, vinde!' é um ponto muito importante da doutrina cristã e da teologia. Estávamos fracos em nossa liberdade e Deus vem e a fortalece", ensina frei Josaphat.

Fonte: Leonardo Meira,  Canção Nova Notícias